8ª Turma do TST mantém reconhecimento de vínculo de motorista de Uber

A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame de recurso da Uber do
Brasil Tecnologia Ltda. contra decisão que reconheceu o vínculo de emprego de uma
motorista do Rio de Janeiro (RJ). Segundo o relator, ministro Agra Belmonte, a relação da
motorista com a empresa é de subordinação clássica, pois ela não tem nenhum controle
sobre o preço da corrida, o percentual do repasse, a apresentação e a forma da
prestação do trabalho. “Até a classificação do veículo utilizado é definida pela empresa,
que pode baixar, remunerar, aumentar, parcelar ou não repassar o valor da corrida”,
ressaltou.
A motorista trabalhou para a Uber entre 2018 e 2019. Segundo ela, sua remuneração
mensal era de cerca de R$ 2.300, e seus gastos com combustível e manutenção do
automóvel eram de R$ 500. Além do vínculo, ela pediu, na reclamação trabalhista, horas
extras, ressarcimento desses valores e indenização por danos extrapatrimoniais.
Subordinação algorítmica
O pedido foi julgado improcedente pelo juízo de primeiro grau. Após a sentença, foi
apresentada uma proposta de acordo pelo qual a motorista receberia R$ 9 mil a título de
indenização e desistiria do seu recurso ordinário. Mas o Tribunal Regional do Trabalho da
1ª Região não homologou o acordo, por entender que seus termos eram inadequados, e
reconheceu o vínculo de emprego.
A decisão levou em conta que a lei, acompanhando a evolução tecnológica, expandiu o
conceito de subordinação clássica, a fim de alcançar os meios informatizados de
comando, controle e supervisão. “O que a Uber faz é codificar o comportamento dos
motoristas, por meio da programação do seu algoritmo, no qual insere suas estratégias
de gestão, e essa programação fica armazenada em seu código-fonte”, concluiu.
Litigância manipulativa
Ao analisar o agravo pelo qual se pretendia rediscutir a não homologação do acordo, o
ministro Agra Belmonte ressaltou que, segundo o TRT, a empresa vem se utilizando de
um expediente conhecido como “litigância manipulativa” – o uso estratégico do processo
para evitar a formação de jurisprudência sobre um tema (no caso, o vínculo de
emprego). Um dos aspectos da prática é a celebração de acordo apenas nos casos em
que houver a expectativa de que o órgão julgador vá decidir em sentido contrário ao seu
interesse.
Na conclusão do ministro, a finalidade do acordo proposto pela Uber não foi a conciliação
em si, como meio alternativo de solução de conflitos, “mas um agir deliberado, para
impedir a existência, a formação e a consolidação da jurisprudência reconhecedora de
direitos trabalhistas aos seus motoristas”. Essa conduta, a seu ver, configura abuso
processual de direito.
Uberização
Em relação ao vínculo de emprego, o relator observou que a nova modalidade de
prestação de serviços de transporte individual, mediante uma “economia compartilhada”,
embora tenha inserido uma massa considerável de trabalhadores no mercado, também é caracterizada pela precariedade de condições de trabalho, com jornadas extenuantes,
remuneração incerta e submissão direta do próprio motorista aos riscos do trânsito.
“Doenças e acidentes do trabalho são capazes de eliminar toda a pontuação obtida na
classificação do motorista perante o usuário e perante a distribuição do serviço feita
automaticamente pelo algoritmo”, exemplificou.
Na avaliação do relator, os princípios da livre iniciativa e da ampla concorrência “não
podem se traduzir em salvo-conduto nem em autorização para a sonegação deliberada
de direitos trabalhistas”.
Controle do meio produtivo
Para Agra Belmonte, a expressão “subordinação algorítmica” apontada pelo TRT é uma
“licença poética”. “O trabalhador não estabelece relações de trabalho com fórmulas
matemáticas ou mecanismos empresariais, e sim com pessoas físicas ou jurídicas
detentoras dos meios produtivos”, assinala. E, nesse sentido, a CLT (artigo 6º, parágrafo
único) estabelece que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e
supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e
diretos.
“A Uber não fabrica tecnologia, e aplicativo não é atividade. É uma transportadora que
utiliza veículos de motoristas contratados para realizar o transporte de passageiros”,
afirmou o relator. “Basta ela deslogar o motorista do sistema para que ele fique excluído
do mercado de trabalho. Basta isso para demonstrar quem tem o controle do meio
produtivo”, concluiu.
A decisão foi por maioria, vencido o ministro Alexandre Ramos, que compunha o quórum
da Oitava Turma.
Divergências
A questão do vínculo de emprego entre motoristas e plataformas de aplicativos ainda é
objeto de divergência entre as Turmas do TST. A matéria já está sendo examinada pela
Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), órgão responsável pela
uniformização da jurisprudência das Turmas. Dois processos com decisões divergentes
começaram a ser examinados em outubro, e o julgamento foi interrompido por pedido de
vista, após sugestão do atual vice-presidente do TST, ministro Aloysio Corrêa da Veiga,
de que o tema seja submetido à sistemática dos recursos repetitivos.
Processo: RRAg-100853-94.2019.5.01.0067

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